domingo, 6 de junho de 2021

Javé - Caim - Abel: Desespero - Alienação - Rejeição - Violência

  
Na imagem: arte de Pietro Novelli     

      💫 Essa alienação, citada no texto de Edinger (abaixo), caracteriza-se pela falta de contato firme e seguro com a realidade consciente. É como se os referenciais externos ou racionais, não fossem suficientes ou não gerassem a segurança necessária, para o indivíduo. Essa estrutura egoica, encontra-se tão frágil e vulnerável que afasta-se, isola-se de alguma forma de tudo que possa continuar gerando essa vulnerabilidade, mesmo que este isolamento ou afastamento aconteça pela via da violência ou agressividade. E internamente, este "ego -consciência" afasta-se ou isola-se das suas capacidades racionais, para se proteger - aliena-se. 

        A criança por sua própria condição egoica, em desenvolvimento, encontra-se frágil, vulnerável e quando na infância sofre uma experiência de rejeição intensa, pode desencadear essa conduta de alienação e reações impulsivas desmedidas ou aparentemente injustificáveis, frente a certas situações. Situações estas que podem ser interpretadas como "normal, natural e sem grande importância", mas para a pessoa ou a criança, é vivida ou sentida como rejeição e dor e sendo assim, pode desencadear reações violentas. 

        Não é incomum presenciar esses casos em crianças que vivem ou viveram em situação de carência social e afetiva intensa, onde os pais por necessidades diversas precisam se ausentar - como ter que trabalhar e a criança mais velha fica com as mais novas, por exemplo - uma realidade muito presente em nosso país. E por inúmeras razões, não conseguem suprir as necessidades afetivas da criança quando estão com a mesma. Ou seja, os pais não a rejeitaram ou a abandonaram concreta e conscientemente, mas a mesma viveu esta alienação/rejeição (distanciamento afetivo e físico) em algum nível, de forma intensa. Normalmente, essa criança torna-se um adulto com dificuldades relacionadas ao complexo de inferioridade ou como mencionado no texto abaixo, complexo materno/paterno. Diante de situações que ativam esse complexo, esse adulto vive a situação de rejeição e vulnerabilidade, novamente ou constantemente, e isso pode faze-lo alienar-se de sua própria razão, levando-o a ações violenta como suicídio e/ou assassinato. 

        É possível dizer que uma significativa parte dos casos compreendidos ou diagnosticados como quadros psicóticos, borderline ou bipolar, seja na infância ou mesmo adultos, correspondem normalmente, a estas características de alienação, rejeição e comportamentos violentos, mas que na verdade possuem um histórico de alienação e vivência de rejeição intensa e este é o cerne da questão. Vale ainda dizer que não é apenas nesses quadros que se encontram essas características. Casos entendidos como neuróticos, os dito normais, também podem apresentar esses complexos inerentes ao seu desenvolvimento. 

        Compreender que a vivência interna se sobrepõe a vivência externa, é fundamental, pois, externamente, muitas ações impulsivas, podem não se justificar, mas internamente a vivência é de extrema dor e violência que a meu ver, apenas se espelha externamente. Portanto, acolher e aceitar essa rejeição como algo real, presente na vida dessa criança ou adulto, é fundamental, primeiramente pelo terapeuta, para que este possa auxiliar o paciente. E mesmo que vejamos ações concretas e legítimas dos pais e/ou das pessoas envolvidas que não caracterizam a vivência de rejeição, pelo contrário, fazem tudo para que a mesma não se sinta assim, enquanto essa "criança" rejeitada e ferida (para mim, deformada internamente) não for acolhida, aceita e compreendida em sua dor, esses quadros permanecerão uma incógnita e insolúveis. 

        Esse acolhimento leva tempo e depende de muita paciência do terapeuta e das pessoas envolvidas porque essa criança (interna ou não) tornou-se arredia com comportamentos aprendidos de esquivas o mais diversos, afinal, está realmente em "carne viva" suas feridas e nem mesmo a consciência dessa dor é plena ou total. Portanto, a aproximação e o cuidado precisa ter a delicadeza e a sutilidade que chamo de "divinas" - as características talvez, desse self ou desse eu-íntimo sábio que assenhora com sutilidade e muito amor, ou é o próprio amor. E ao meu ver, esses casos são para terapeutas que de alguma forma em si, já se encontram um pouco mais maduros em seu próprio processo de individuação. 💫

✏... Kátia de Souza___🌹
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        “Assim, Caim é banido para regiões selvagens, reproduzindo, em outro nível, o banimento de Adão do paraíso.

        Caim é uma personagem arquetípica que representa a experiência da rejeição e da alienação. A reação que ele manifestou a uma rejeição irracional e excessiva é característica: a violência.
 
        Sempre que experimentamos uma insuportável alienação e desespero, vem a violência. A violência pode tomar uma forma interna quanto uma forma externa. Em suas manifestações extremas, isso pode ser o suicídio ou o assassinato, respectivamente. O ponto crucial é que , na raiz de todas as formas de violência, reside a experiência de alienação – uma rejeição muito difícil de suportar”. (Edinger – Ego e Arquétipo, pg.: 73).

        Alienação ou desespero, sentir-se perdido, castigado por Deus, como Caim, o indivíduo sente-se rejeitado (Complexo de Rejeição). Como consequência, como cita Edinger, o ‘assassinato’ ou o ‘suicídio, pode advir a ‘violência’ externa ou interna, mas sempre, contra si mesmo, matando, em outro sentido: novas possibilidades, oportunidades, esperanças, sonhos.
 
        Sob domínio dos complexos de rejeição e inferioridade, muitas vezes associados à rejeição paterna/materna, gerando os complexos paterno/materno, com raízes mais profundas nos arquétipos Anima (feminino) e Animus (masculino), a criatura fica presa, atada, a círculos viciosos, pelas percepções, imagens de referência internas, distorcidas e contaminadas, optando sempre pelas escolhas erradas, busca inconscientemente ser penalizada e machucada, gerando dor – sentimento de culpa – flagelação, onde parece não ter direito a ser feliz, como condenada ao sofrimento perpétuo.

        “Nos casos em que a criança experimenta um grau sério de rejeição por parte dos pais, o eixo ego-Si-mesmo é danificado e a criança fica predisposta, na idade madura, a estados de alienação que podem alcançar dimensões insuportáveis. Essa linha de acontecimentos decorre de a criança experimentar a rejeição parental como uma rejeição por parte de Deus. Essa experiência é incorporada à psique como alienação permanente entre o ego e o Si-mesmo”. 

(Edinger – op. cit., pg.: 87)
Via Espaço Terapêutico Zen Religare
Jung Psicologia Transpessoal


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