quinta-feira, 17 de outubro de 2019

O racional do sagrado (estudo com Rudolf Otto)


Tenho que confessar que estou me surpreendendo com a leitura de Rudolf Otto em “O Sagrado”, é espetacular. É preciso estar liberto ou desvestir-se ao máximo, do preconceito em relação à religião e ao Cristianismo, propriamente, porque se sente o toque religioso da obra. Apesar de ser uma obra que gerou certo abalo na época que foi lançada, pois, ia de encontro a forma de pensar a religião, entre outras coisas, naquele momento, mesmo assim, sente-se essa religiosidade presente. Porém, traz algo que para mim é inusitado, e é o valor dado não apenas ao conceito racional, mas também ao sentir ou a algo de misterioso no que tange ao sagrado ou a divindade. Sinto certa flexibilidade e abertura em falar sobre religião e sobre a própria divindade, em Otto; não sinto rigidez ou sectarismo voltados ao racional, puramente. Não sinto até o momento, uma intenção de conversão ou convencimento de suas ideias, algo dogmático, mas sim, sinto que são sentimentos, experiências, algo que foi inteiramente vivido e pesquisado pelo mesmo. Acredito que suas viagens a outras culturas e contato com outras religiões e cultos, possibilitou ao mesmo, essa postura e até mesmo, a construção dessa obra. 


Sente-se, já no início, algo para aproximar ou tornar mais claro e nítido o que é o sagrado e o que em realidade significa a “religião” que para mim, Otto, fala de espiritualidade e não de religião, até o ponto da leitura onde me encontro. Ele mesmo fala da apreensão da divindade pelo homem; como nós assim a sentimos e a importância disso. Fala sobre o quanto vivenciamos isso dentro do “espaço religioso” em nós – materializamos o sentir do sagrado, na experiência da religião e/ou seus ritos. E até por isso, os ritos estão impregnados de simbolismos e não encerra em si mesmo o que de fato é religião (espiritualidade) e que dirá, o sagrado. Sintam, um pouco de Rudolf Otto, no trecho que destaquei abaixo: 
(Kátia de Souza -®Céu e Raiz)
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“A categoria do sagrado (...) apresenta um elemento ou “aspecto” bem específico, que foge ao acesso racional (...), sendo algo árreton[“impronunciável”], um ineffabile [“indizível”] na medida em que foge totalmente à apreensão conceitual”. 

“(...) atributos como espírito, razão, vontade, intenção, boa vontade, onipotência, unidade da essência, consciência e similares (...). No divino, todos esses atributos são pensados como sendo “absolutos”, ou seja, como perfeitos. Trata-se, no caso, de conceitos claros e nítidos, acessíveis ao pensamento, a análise pensante, podendo inclusive, ser definidos.” (...) “E a religião que os reconheça e afirme é, nesse sentido, uma religião racional.” (...) E pelo menos para o cristianismo não confere o que Goethe põe na boca de Fausto: Gefühl ist alles, Name Schall und Rauch. – O sentir é tudo, nome é som e fumaça.“” 

“(...) Porém, mesmo que os atributos racionais geralmente ocupem o primeiro plano, eles de forma alguma esgotam a ideia da divindade, uma vez que se referem e têm validade apenas para algo irracional. Embora não deixem de ser atributos essenciais, eles não passam de atributos essenciais sintéticos, e somente enquanto tais é que eles serão entendidos, adequadamente, ou seja, quando forem atribuídos a um objeto como seu portador, que por meio deles ainda não chega a ser reconhecido, tampouco neles pode ser reconhecido, mas precisa ser reconhecido de outro modo próprio. Pois, de alguma maneira ele precisa ser apreensível; não fosse assim, nada se poderia dizer a seu respeito. Nem mesmo a mística, ao chama-lo de árreton (inefável), queria dizer que ele não seria apreensível, senão ela só poderia consistir em silêncio.”


(Trechos do livro: O Sagrado de Rudolf Otto)
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