sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

"C. G. Jung: – Vida e Obra." por Nise da Silveira(trecho)

"Carl Gustav Jung nasceu a 26 de julho de 1875, em Kesswil, aldeia pertencente ao cantão da Turgovia, Suíça. Seu pai, Paul Achilles Jung, ai exercia as funções de pastor protestante. O menino Carl Gustav tinha quatro anos quando o pai foi transferido para Klein Huningen, nos arredores de Basiléia. Foi em Basiléia onde Jung fez todos os seus estudos, inclusive o curso médico. Esta cidade era, na época, um dos mais importantes centros culturais da Europa, basta lembrar que Nietzsche deu cursos memoráveis na Universidade de Basiléia no período 1869-1879 e que o historiador filósofo Jacob Burckhardt ocupava, por estes tempos, uma cátedra nessa mesma Universidade. Também ecoava ainda naqueles dias a fama do reformador da Faculdade de Medicina de Basiléia, Carl Gustav Jung, avô paterno do futuro psicólogo, que recebeu o nome de seu ancestral ilustre. Rumores corriam de que o velho C. G. Jung fosse filho ilegítimo de Goethe. Nada ficou provado neste sentido, mas comentava-se que tanto seus traços fisionômicos quanto seu inexcedível encanto pessoal o assemelhavam ao autor do Fausto. No seu livro de MEMÓRIAS, Jung não esconde as restrições que fazia ao pai. Desde muito cedo, ele viu no pastor o homem estagnado numa condição medíocre, a quem faltaram forças para seguir sua linha própria de desenvolvimento; o homem que não enfrentava as dúvidas religiosas que o atormentavam, segundo parecia ao filho. O pastor temia as experiências religiosas imediatas, agarrava-se à fé, amparava-se na Bíblia e nos dogmas. Jung nunca poderia aceitar tal atitude. Sentia-se muito mais afim com sua mãe. Menino ainda, descobriu que existiam nela duas.personalidades. Uma convencional, correspondente à esposa de um pastor, que exigia do filho boas maneiras e fazia-lhe recomendações impertinentes sobre o modo de usar o lenço ou coisas semelhantes. E outra, investida de estranha autoridade, misteriosa, dotada de algo que às vezes lhe infundia medo. Quando esta segunda personalidade emergia, o menino Carl Gustav percebia a voz de sua mãe que soava mais grave e mais profunda.


É curioso assinalar que nas Memórias de Jung não se encontre referência a nenhum período de fervor religioso vinculado ao protestantismo, nem mesmo na infância. A ideia de Deus, entretanto, fascinava-o intensamente. E o mais singular é que as cogitações do filho do pastor não giravam em torno da figura de Cristo, tema fundamental dos ensinamentos protestantes. Ele comparava o que lhe diziam com aquilo que via em torno de si. Impressionava-se com os “imerecidos sofrimentos do homem e dos animais" e isso levava-o a imaginar que Deus houvesse mesmo intencionalmente criado um mundo repleto de contradições. O menino pensava e sentia Deus como uma poderosa força avassaladora que trazia consigo bem-aventurança mas também desespero e terror. Guardava secretos esses pensamentos. A quem poderia comunicá-los se eram tão diferentes de tudo quanto se dizia na igreja ou em casa, nas conversações do pai com seus amigos também pastores? Vinha-lhe então o sentimento de que algo muito profundo o separava dos demais."


Trecho de "C. G. Jung: – Vida e Obra." por Nise da Silveira