segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Carl Gustav Jung - a experiência religiosa


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"A experiência religiosa é algo de absoluto. Não é possível discutir acerca disso. Uma pessoa poderá dizer que nunca teve uma experiência desse gênero, ao que o oponente replicará: "Lamento muito, mas eu a tive". E com isto se porá termo a qualquer discussão. É indiferente o que pensa o mundo sobre a experiência religiosa: aquele que a tem, possui, qual inestimável tesouro, algo que se converteu para ele numa fonte de vida, de sentido e de beleza, conferindo um novo brilho ao mundo e à humanidade. Ele tem pistis e paz. Qual o critério válido para dizer que tal vida não é legítima, que tal experiência não é válida sendo essa pistis mera ilusão? Haverá uma verdade melhor, em relação às coisas últimas, do que aquela que ajuda a viver? Eis a razão pela qual eu levo a sério os símbolos criados pelo inconsciente. Eles são os únicos capazes de convencer o espírito crítico do homem moderno. Eles convencem, subjetivamente, por razões antiquadas: são imponentes, convincentes, palavra que vem do latim convincere, e significa persuadir. O que cura a neurose deve ser tão convincente quanto a própria neurose, e como esta é demasiado real, a experiência benéfica deve ser dotada de uma realidade equivalente. Numa formulação pessimista: deverá ser uma ilusão muito real. Mas que diferença há entre uma ilusão real e uma experiência religiosa curativa? É uma diferença de palavras. Poder-se-ia dizer, p. ex., que a vida é uma enfermidade com um diagnóstico muito desfavorável: prolonga-se por vários anos, para terminar com a morte; ou que a normalidade é um defeito constitutivo generalizado; ou que o homem é um animal cujo cérebro alcançou um superdesenvolvimento funesto. Esta maneira de pensar é privilégio daqueles que estão sempre descontentes e sofrem de má digestão. Ninguém pode saber o que são as coisas derradeiras e essenciais. Por isso devemos tomá-las tais como as sentimos. E se uma experiência desse gênero contribuir para tornar a vida mais bela, mais plena ou mais significativa para nós, como para aqueles que amamos — então poderemos dizer com toda a tranqüilidade: "Foi uma graça de Deus".

Com isto, não demonstramos qualquer verdade sobre-humana, e devemos reconhecer com toda a humildade que a experiência religiosa extra ecclesiam (fora da Igreja) é subjetiva e se acha sujeita ao perigo de erros incontáveis. A aventura espiritual do nosso tempo consiste na entrega da consciência humana ao indeterminado e indeterminável, embora nos pareça — e não sem motivos — que o ilimitado também é regido por aquelas leis anímicas que o homem não imaginou, e cujo conhecimento adquiriu pela "gnose" no simbolismo do dogma cristão, e contra o qual só os tolos e imprudentes se rebelam; nunca, porém, os amantes da alma."(Carl Gustav Jung - Psicologia e Religião)