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desconheço o autor da imagem via Google |
“Eu gostaria que vísseis o que significa o herói assassinado. Aquelas pessoas anônimas que matam príncipes em nossos dias, são profetas cegos, que representam nas coisas o que só vale para a alma. Através do assassinato de príncipes, ficais sabendo que o princípio, o herói em nós, está ameaçado. Se deve parecer um bom ou mal sinal, não nos vamos preocupar com isso. O que hoje é ruim, em cem anos será bom e em duzentos, novamente ruim. Mas, temos de reconhecer o que acontece: existem anônimos em vós que ameaçam vossos príncipes, o legítimo soberano.” (Carl Gustav Jung)
“No trabalho de imaginação ativa, Jung teve uma visão onde o herói é assassinado e o mesmo transcorre esse trecho falando um pouco sobre essa visão e os acontecimentos da época, visando o inconsciente e os elementos que vamos deixando a mercê do mesmo; “elementos estes individuais que caem no inconsciente onde geralmente se transformam em algo de essencialmente pernicioso, destrutivo e anárquico. No aspecto social, este princípio negativo se manifesta através de crimes espetaculares como o regicídios, perpetrado por indivíduos de predisposição profética.” ((OC, 7§ 240 – “O eu e o inconsciente)”
Lembrando que o herói em nós, é este que acessa ambos os mundos, o das profundezas(inconsciente/irracional) e o da época(consciente/racional). O que, talvez Jung queira nos chamar a atenção aqui, é que, às vezes, aquilo que é referente a alma, apesar de ter seu simbolismo no mundo consciente, não pode ser tomado literalmente ou plenamente, como tal, focando nas coisas ou pessoas aquilo que é sentido interiormente, pois, nisto está envolvido elementos inconscientes individuais; aquilo que vem da alma ou é da alma requer um olhar além e não literal, e o literal acontece em função de dissociarmos, dividirmos esses aspectos, afasta-los e não integra-los, unindo-os para a devido equilíbrio e sabedoria no momento da ação.
A projeção de aspectos inconscientes nas coisas e pessoas retrata, em partes, a nossa dissociação e nisto, a nossa possível mobilização à integração – se nos tornarmos conscientes. Acho interessante também, nesse trecho, o quanto Jung, não se detém ao julgamento de “bom e ruim”, mas sim em analisar de forma ampla essa dinâmica psíquica considerando, talvez, que nem sempre aquilo que compreendemos ruim, é de fato ruim ou aquilo que compreendemos bom, é de fato bom.
Observação: Jung trás esse relato sobre o assassinato do príncipe também, em função de “assassinatos políticos eram frequentes no início do século XX. O fato específico a que se alude aqui é o seguinte: a 28 de junho de 1914 o arquiduque Franz Ferdinand, herdeiro do império austro-húngaro, foi assassinado por Gravilo Princip um estudante sérvio de 19 anos. Martin Gilbert descreve este fato que desempenhou um papel decisivo nos acontecimentos que levaram a eclosão da Primeira Guerra Mundial, como “um momento crítico na história do século XX”” (nota de rodapé em “O Livro Vermelho, p.140).
O que sinto a partir disso, está relacionado a nossa tendência em polarizar as coisas em detrimento da alma ou vice-versa. Esta polarização, não favorece, ou melhor, traz sérias consequências ao nosso mundo, pois, dissociado, separado, a parte, sempre emergirá aquilo que ficou nas sombras sem ser visto e acolhido nessa balança e pode emergir de formas as mais diversas, inclusive de forma “perniciosa”, trazendo a aniquilação do “herói”. Talvez, somente talvez, aqui, fique um pouco claro, os quadros de esquizofrenias, onde o “herói”, se não morto, estará suficientemente ferido para não conseguir ir adiante em sua jornada de forma lúcida – equilibrada; ele, continua a transcorrer, sem dúvida, a sua jornada, mas de forma dissociada, pendendo apenas para um lado da balança.
Penso ainda sobre nossas projeções e o quanto, não percebemos ou somos conscientes, dos simbolismos envolvidos nas manifestações da vida, em nossas ações e nas ações de um coletivo; o quanto de simbolismo, é ali envolvido, e dessa forma, tomamos a parte pelo todo, tomamos as coisas da alma pelo espírito da época e dissociando algo, que pode ser um contributo a nossa ampliação de consciência e integração de certos elementos emergentes e que foram esquecidos ou negligenciados.
Sendo assim reflito: qual o simbolismo da pandemia e onde esses aspectos ou elementos desse símbolo está manifesto ou representado em nossas ações, enquanto coletivo? O que estamos fazendo com aquilo que este símbolo pandêmico está nos dizendo? Estamos ouvindo ou apenas nos debatendo sem a devida consciência? Estamos vendo que além do material, propriamente dito (espírito da época), existe algo a ser compreendido além? Mas é muito além mesmo e, profundamente em nós – mudança profunda eu diria porque ele saiu das cavernas e nos colocou na caverna – isolamento.
Sintamos e reflitamos sobre nossas ações atuais, nossas emoções e posturas que estão emergindo e vejamos onde de fato está a questão a se conscientizar e ampliar. Normalmente, onde projetamos tudo isso que emerge nesse momento, é onde a alma grita para ser vista. Será que vamos continuar pensando como estamos pensando, permitindo que certas emoções continuem nas mesmas direções ou tomando o mesmo rumo de sempre? Não será nenhum efeito mágico que nos fará mudar a direção das coisas (não há nenhum salvador) esse salvador está dentro de nós mesmos, nossos recursos íntimos e os temos sim. Agora só depende de nós querermos mudar. Estamos mudando ou continuamos os mesmos? Será que não está na hora de usarmos dos recursos que temos para a devida integração das coisas? Não, não acontece naturalmente, como pensamento ser, no sentido de “deixa rolar”; acontece por “vontade” íntima e verdadeira, sentida, desejada com as entranhas da alma. Talvez tenha chegado a hora de parar com as divisões e começar a integração, para não falar em união(palavra que gosto muito, mas não descreve exatamente o que quero, aqui). Integração é, para mim, onde certos elementos em nós se transmutam ou transformam, para unir-se a outros elementos. Estamos dispostos a nos desapegar de crenças em nós, coisas nossas em detrimento desse todo mais integrado? Bem, fica aqui minha reflexão e questionamentos para que sintamos. E sinto que temos um grande momento ou oportunidade para, realmente, fazermos a diferença a todos nós, nesse agora. (Kátia de Souza)
Referência bibliográfica: "O Livro Vermelho" - Carl Gustav Jung