UM MITO MODERNO SOBRE COISAS VISTAS NO CÉU
(Obras completas de c. g. jung - volume x/4
editora vozes, 2ª. edição petrópolis, 1991)
PREFACIO
É difícil avaliar corretamente o alcance dos acontecimentos contemporâneos, e é grande o perigo de que o julgamento se prenda à subjetividade. Por isso, estou ciente do risco que corro, ao empreender a tarefa de expressar minha opinião sobre certos acontecimentos contemporâneos - que julgo serem de grande importância - àqueles que tenham a paciência de me ouvir. Trata-se daquela notícia que chega até nós de todos os cantos da Terra; daquele boato sobre corpos redondos que percorrem a nossa troposfera e estratosfera e são chamados "saucers, pratos, soucoupes, discos, Ufos (Unidentified Flying Objects) e OVNIs (Objetos Voadores Não Identificados)". Como já disse, este boato ou a existência física destes corpos parece-me tão importante, que novamente me sinto na obrigação de dar um grito de alerta, como já o fiz anteriormente, naquela época em que começavam a se desenrolar os acontecimentos que iriam atingir em cheio a Europa. Sei muito bem que, como então, a minha voz é muito fraca para ser ouvida por muitos. Não é a presunção que me impele, mas sim a minha consciência médica que me aconselha a cumprir com o meu dever de preparar aqueles poucos que podem me ouvir para os acontecimentos que estão reservados à humanidade, e que significam o fim de um éon (era). Como já sabemos, através da história do antigo Egito, são fenômenos psíquicos de transformação que acontecem sempre no final de um mês platônico e no início do mês subseqüente. Ao que parece, são modificações na constelação das dominantes psíquicas, dos arquétipos, dos "deuses", que causam ou acompanham transformações seculares da psique coletiva. Esta transformação tem alimentado dentro da tradição histórica e deixado as suas marcas. Primeiro, na transição da era de Touro para a de Áries (Carneiro). Logo depois da era de Áries para a de Pisces (Peixes), cujo início coincide com o surgimento da era cristã. Agora, estamos nos aproximando da grande mudança que pode ser esperada com a entrada do equinócio da primavera, em Aquarius (Aquário).
Seria leviano da minha parte, se eu quisesse esconder do leitor que pensamentos deste tipo não somente são extremamente impopulares, como também se aproximam perigosamente daquelas fantasias confusas que assolam os cérebros de adivinhos e reformadores do mundo. Preciso correr o risco, pondo em jogo a minha fama de ser honesto, confiável e capaz de julgamento científico, que com tanto esforço conquistei. Posso garantir aos meus leitores que não me sinto à vontade para essa tarefa. Para ser sincero estou preocupado com a sorte daqueles que são surpreendidos por esses acontecimentos sem estarem preparados para tal, ficando à mercê daquilo que não podem compreender. Já que, até onde vão meus conhecimentos colhidos de várias fontes, ninguém se viu sensibilizado a examinar e dar ênfase aos possíveis efeitos psíquicos dessa previsível mudança astrológica, sinto-me na obrigação de fazer, neste caso, o possível - dentro dos limites das minhas forças. Assumo esta tarefa ingrata com a esperança de que o meu cinzel se desvie da dura pedra que ele atingirá.
Há algum tempo, escrevi um pequeno artigo para o jornal Weltwoche expressando meus pensamentos sobre a natureza dos "discos voadores". Cheguei à mesma conclusão expressa no relatório extra-oficial que pouco depois foi publicado, de autoria de EDWARD J. RUPPELT, ex-chefe do Bureau americano encarregado da observação de OVNIs.3 A conclusão é: vê-se alguma coisa mas não se sabe o que. É até difícil, quase impossível, fazer-se uma idéia clara destes objetos, pois eles não se comportam como corpos, mas são etéreos como pensamentos. Até agora não existiam provas que não deixassem dúvidas sobre a existência física dos OVNIs, exceto aqueles casos com eco de radar. Sobre a confiabilidade de observações deste tipo, tenho conversado com o professor MAX KNOLL, um especialista neste campo e professor de eletrônica da Universidade de Princeton e da Faculdade Técnica de Munique. As suas revelações não são muito encorajadoras, se bem que pareçam existir casos autênticos em que observações visuais foram confirmadas pelo radar. Chamo a atenção do leitor para os livros do Major DONALD KEYHOE, que em parte se baseiam em relatórios oficiais e nos quais se evitam especulações sem fundamento, falta de crítica e preconceitos, típicos de outras publicações.4 A realidade física dos OVNIs permaneceu por mais de uma década como um assunto muito problemático que não pôde ser definido em sentido algum com a desejável clareza, embora nesse ínterim se tenha acumulado um vasto arsenal de experiências. Quanto mais tempo perdurava a insegurança, mais crescia a probabilidade de que o fenômeno, evidentemente complicado, tivesse, além de um possível fundamento físico, um importante componente psíquico. Isto não é de admirar porquanto se trata de um fenômeno aparentemente físico que por um lado se destaca pela freqüência com que acontece, e, por outro, pela estranheza, desconhecimento e até mesmo contradição da sua natureza física.
Um objeto deste tipo desafia, como nenhum outro, a fantasia consciente e inconsciente. Uma produz suposições especulativas e estórias inventadas, e a outra fornece o fundo mitológico que faz parte destas observações excitantes. Daí resultou uma situação, na qual muitas vezes não se podia saber ou reconhecer, nem com a maior boa vontade, se uma percepção primária vem seguida de um fantasma, ou, ao contrário, se uma fantasia primária que está se desenvolvendo no inconsciente assalta o consciente com ilusões e visões. O material, que até hoje, ao longo de dez anos, chegou a meu conhecimento, apóia ambas as formas de consideração: num caso, um acontecimento objetivamente real, isto é, físico, dá motivo à criação de um mito que o acompanha; no outro, um arquétipo originou a respectiva visão. A estas interações causais acresce uma terceira possibilidade: a de uma coincidência sincronística, ou seja, acausal e significativa; problema que tem preocupado constantemente os espíritos, desde GEULINCX, LEIBNIZ e SCHOPENHAUER.5 Esta forma de observação se impõe especialmente quando se trata de fenômenos relacionados com processos psíquicos arquetípicos.
Como psicólogo, não disponho de recursos que contribuam para a solução do problema sobre a realidade física dos OVNIs. Por isso, posso incumbir-me somente do aspecto psíquico, que sem dúvida existe, dedicando-me a seguir quase que exclusivamente os fenômenos psíquicos concomitantes.
(Carl Gustav Jung) - ®Psiquê - Alma e Conhecimento