terça-feira, 4 de outubro de 2022

A VIDA NOS PEDE MAIS LUCIDEZ


 🦋Eu vi homens se entristecendo e entristecidos, pelo desprezo e indiferença do próprio homem. E eu vi homens sorrindo da tristeza destes homens. Seus semelhantes buscando, acredito, diferenciar-se de forma descabida negligenciando seus afetos e nisto, vejo o reflexo de que algo neles mesmos está sendo negligenciado e muito do que pensa-se saber, apenas conhece e deste conhecimento, há muita distorção.


🦋Soube que estes homens estão em busca de sua unicidade. Penso e apenas penso mesmo, que buscar a si como "ser único", não inclui a negligência de quem está ao seu lado de uma forma ou de outra. E quer saber, não sinto que seja uma busca, não creio que seja algo que você acorda e decide: a partir de hoje vou buscar a mim mesmo. Não. Há algo além desse desejo racional e restrito que nos impulsiona a isto.


🦋Em prol de uma busca íntima polarizada e na maioria das vezes, submetida apenas às condições do "ego", sem orientação ou mesmo acompanhamento, estamos, muitas vezes, negligenciando o que está bem ali à nossa frente e sequer exige de nós o pensar porque é palpável, simplesmente. Isto quando não estamos presos e perdidos em um individualismo incentivado e propagado por um coletivo que apenas visa as aparências de um poder que apenas divide, destrói ou corrompe no mínimo as relações humanas. Usa-se de uma forma ególatra ou egoísta certos conhecimentos - a busca por si mesmo, por saber-se e/ou no mínimo auto-conhecer-se. Ou seja, distorce-se esse movimento que é ir para dentro, tão necessário a todos nós, porém, neste caso, a favor de certa presunção. Apenas é uma ideia submetida apenas ao ego ou seja, pensa ser autoconhecimento, saber-se a si mesmo, mas engana-se.

🦋E muitos podem argumentar, sobre esta minha fala, que nela há uma moral que só imputa culpa e que está fadada a se diluir diante da unicidade do ser. Mas gostaria de lembrar também que nós refletimos o que é dentro de cada um de nós e é sobre isso que falo aqui e não tenho a pretensão de ditar regras de conduta ou uma moral que também acredito que esteja fadada a se diluir. Contudo, quero sim alertar que essa ida para dentro, essa jornada em si mesmo, é sim corrompida por nossa arrogância e incentivada pela competição tão comum em nosso coletivo. E por incrível que pareça esse movimento vem sendo usado em detrimento do "outro" onde aquele que "busca a si mesmo" é o escolhido do divino e aquele que aparentemente não busca, é "execrado do reino de Deus" - se não explicitamente, ao menos implicitamente, isso é dito através das atitudes. Quem somos nós para ditarmos tal condição na humanidade? Mal sabemos de nós mesmos, como saber do outro, sobre o que o mesmo vive, pensa, sente? Para mim, este movimento de exclusão do outro, só diz do quanto em si mesmo, não se está vendo algo e por isso é mais fácil excluir fora do que olhar para dentro.

🦋Quando julgamos em nós que algo é ruim, nossa tendência mais comum é reprimir, excluir, negar, rejeitar ou coisa semelhante, certo? Evitamos entrar em contato com algo que "doa" em nós e nem sempre queremos admitir que é em nós, que somos aquilo ou que é algo no mínimo que precisa amadurecer. E é assim que fazemos também com nossos afetos ou paceiros de jornada em nossas vidas, ou seja, refletimos exatamente o que fazemos conosco - rejeitamos porque condenamos "o outro", não o aceitamos, mesmo que este não desapareça, não suma de nossa frente, more conosco, por exemplo. Eliminar de nossas vistas, não elimina o fato de que em nós há algo a ser amadurecido, não é mesmo? Esta relação ou este parceiro de jornada, causa este incômodo, por exemplo porque em nós algo precisa ou chama para ser visto e então ampliado, amadurecido, transformado, verdadeiramente. E aí está a preciosidade dos relacionamentos, os mesmos nos alertam sobre nós mesmos e por onde podemos começar a olhar a nós, conhecer ou saber sobre nós.

🦋Gosto da afirmação de Jung quando o mesmo diz:

*“Não conseguimos mudar coisa alguma sem antes aceitá-la. A condenação não libera, oprime.” – C. G. Jung *

🦋Pela minha experiência, aceitar não é o mesmo que concordar, vejamos: se estou lavando um copo na pia e este copo cai e quebra, o que me resta fazer? Recolher os cacos e então joga-lo fora. Não é assim? Não vai adiantar eu ficar discutindo com o copo que ele quebrou e que não devia ter quebrado. E é justamente isso que fazemos quando nos deparamos com determinadas situações ou pessoas; ficamos querendo mudar algo que não é da nossa conta. Por mais íntimo que seja essa pessoa, não cabe a nós muda-la, dizer que ela está errada, enfim. O máximo é dizer "qual a minha responsabilidade, naquilo que eu reclamo?" (parafraseando Freud). E a partir disso sim, agir, fazer nossas escolhas. Saber da nossa implicação naquela realidade nos permite fazer algo em prol daquilo e certamente, a partir de nós e até o limite que é o outro. Chegando no outro não há mais o que fazer, só ele poderá fazê-lo. Para mim, isto é aceitação. Posso continuar discordando, não concordando com o que o outro faz, fala ou pensa, mas não posso muda-lo, não temos poder para isso, cabe-nos aceitar e a partir da aceitação, sim agir.


🦋Condenar, como diz Jung só oprime, só divide, exclui e não favorece o afeto que une, seja fora ou dentro. Apenas condenar não favorece a tomada de decisão ou não abre portas para um agir mais consciente. O que estou fazendo em prol desse afeto? O que posso fazer a favor dessa relação? Nesta relação ainda cabe alguma uma ação criativa? E os relacionamentos abusivos? Para saber que é um relacionamento abusivo, é preciso aceitação. Aceitar que se escolheu isso em algum momento, aceitar que está num relacionamento abusivo para poder agir com integralidade (com a união de nossas forças íntimas). E talvez eu possa dizer aqui, que a "verdadeira" busca íntima, favorece essa integralidade, essa ação que está a serviço da união ou de nossa inteireza ou singularidade. Por mais que aquele que se singulariza encontra-se, muitas vezes, em meios estranhos a ele, ou suas ações já não mais corresponde ao senso comum ou não serve mais ao padrão social a que este encontra-se inserido e isto lhe traz certo afastamento até, em alguns momentos, ele não estará a serviço da divisão, não estará em prol da condenação, exclusão. Assim penso porque para chegar nesse ponto, o mesmo já deve ter passado "poucas e boas" e encontra-se pisando em terreno sagrado, portanto sabe que é apenas "um" em meio às infinitas expressões desse sagrado e não faz o menor sentido pregar algo que vai justamente contra ao que vive - a integralidade.

🦋Dito tudo isso, agora cabe a mim, saber o que me diz respeito nisso tudo que estou vendo, qual a minha responsabilidade nisso? Porque o que vi e me inspirou escrever tudo isso, veio até a mim? Sei que nem sempre podemos dar uma resposta imediata, que não conseguiremos agir imediatamente e de uma única vez resolver certas questões, mas cientes de qual a nossa responsabilidade, certamente, esta luz ou consciência, nos favorecerá em nossas ações. Não estamos a parte do que estamos assistindo, presenciando, somos parte daquilo que estamos vendo, assistindo, portanto, temos responsabilidade também sobre aquilo. É preciso esta consciência por mais que algo nos pareça não ter nada a ver conosco; se chegou a nós de qualquer forma, alguma implicação temos. E através de ações mais conscientes, vamos respondendo à vida de forma então, mais lúcida. E acho, só acho, que a vida nos pede sim, mais lucidez. Sintamos.🦋

🪷Kátia de Souza - 04/10/2022___
Imagem: arte de Roberto Innocenti
Desconheço a referência completa das citações feitas no texto de Jung e Freud, quem souber, agradeço.
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