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| Arte de Gustav Klimt |
O Sono das Águas
Guimarães Rosa
Há uma hora certa,
no meio da noite,
Guimarães Rosa
Há uma hora certa,
no meio da noite,
uma hora morta,
em que a água dorme.
Todas as águas dormem:
no rio,
na lagoa,
no açude,
no brejão,
nos olhos d'água,
nos grotões fundos.
E quem ficar acordado,
na barranca,
a noite inteira,
há de ouvir a cachoeira
parar a queda e o choro,
que a água foi dormir...
Águas claras,
águas barrentas,
sonolentas,
todas vão cochilar.
Dormem gotas,
caudais,
seivas das plantas,
fios brancos,
torrentes.
O orvalho sonha nas placas das folhagens
e adormece.
Até a água fervida,
nos copos de cabeceira dos agonizantes...
Mas nem todas dormem,
nessa hora de torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando,
e chorando , a noite toda,
porque a água dos olhos
Essa... nunca tem sono...
......................................
e jamais há de dormir,
as lágrimas, águas doadas
escorridas, molhadas ...
na profunda confiança
de poder desaguar,
aos pés dos olhos,
lavar e levar
dali o que à terra doa
e faz nascer em gotas
gotas do viver, colher, florir ...
e isso... é apenas um instante
desse líquido em graça
doado para dizer do divino,
... intrínseco ao homem!
desse líquido em graça
doado para dizer do divino,
... intrínseco ao homem!
(Kátia de Souza)
23/10/2019
