terça-feira, 28 de janeiro de 2020

O CAMINHO PARA O SI-MESMO (Trecho da Introdução de "O Livro Vermelho de Carl Gustav Jung por Sonu Shamdasani)

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O CAMINHO PARA O SI-MESMO 

Em 1918, Jung escreveu um ensaio intitulado "Sobre o inconsciente", no qual observava que todos nós estamos entre dois mundos: o mundo da percepção externa e o mundo da percepção do inconsciente. Essa distinção descreve sua experiência nessa época. Ele escreveu que Friedrich Schiller afirmara que a experiência destes dois mundos se fazia por meio da arte. Em contraposição argumentava Jung "a meu ver, a união da verdade racional com a verdade irracional deve ser encontrada não tanto na arte, mas muito mais no símbolo, pois é da essência do símbolo conter ambos os lados, o racional e o irracional." Os símbolos, afirmava ele, provinham do inconsciente, e a criação de símbolos era a função mais importante do inconsciente. Enquanto a função compensatória do inconsciente sempre esteve presente, a função de criação de símbolos só esteve presente quando estivemos dispostos a reconhecê-la. Aqui, vemos que Jung continua evitando considerar suas produções como arte. Não foi a arte, mas os símbolos que tiveram aqui importância primordial O reconhecimento e a recuperação desta força de criação de símbolos são descritos no Liber Novus. O livro retrata a tentativa de Jung de entender a natureza psicológica do simbolismo e de considerar suas fantasias de um ponto de vista simbólico. Ele concluiu que o que foi inconsciente em qualquer época determinada foi apenas relativo e mutante. O que se fazia necessário agora era a "reformulação de nossa visão do mundo, em consonância com os conteúdos ativos do inconsciente." Assim a tarefa que o confrontava era a de traduzir as concepções adquiridas através de seu confronto com o inconsciente, e expressas de forma literária e simbólica no Liber Novus, numa linguagem que fosse compatível com a perspectiva contemporânea.


No ano seguinte, Jung apresentou um ensaio na Inglaterra perante a Sociedade de Pesquisa Psíquica, da qual era membro honorário, sobre " Os fundamentos psicológicos da crença nos espíritos". Distinguiu duas situações em que o inconsciente coletivo se tornava atuante. Na primeira, era ativado por uma crise na vida do indivíduo e pelo colapso das esperanças e expectativas. Na segunda, era ativado em tempos de grande convulsão social, política e religiosa. Nesses momentos, os fatores reprimidos pelas atitudes predominantes acumulam-se no inconsciente coletivo. Indivíduos fortemente intuitivos tornam-se conscientes deles e procuram traduzi-los em ideias comunicáveis. Se eram bem-sucedidos em traduzir o inconsciente numa linguagem comunicável, isto tinha um efeito redentor. Os conteúdos do inconsciente tinham um efeito perturbador. Na primeira situação, o inconsciente coletivo poderia substituir a realidade, o que é patológico. Na segunda situação, o indivíduo pode se sentir desorientado, mas o estado não é patológico. Essa diferenciação dá a entender que, na opinião de Jung, sua própria experiência enquadrava-se na segunda categoria - ou seja, a ativação do inconsciente coletivo devido à convulsão geral. Portanto, seu temor inicial de iminente insanidade em 1913 estava em sua incapacidade de perceber essa distinção.


(Trecho da Introdução de "O Livro Vermelho de Carl Gustav Jung por Sonu Shamdasani)