terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Ensaios de um novo tempo (2)

Imagem de LIBRA SOF

          Faz tempo que deixei de frequentar, trafegar ou ir a certos nichos e estar em contato com certas normalidades; foi uma necessidade de ilha, mesmo. E não importa, agora, o que tudo isso quis ou quer dizer.

          Ficar ali, rodeada pelas águas e sem binóculo, foi estranho no começo. Mas, de areia, folhas e galhos cobriram-se meus pés e então, me agradei de todas aquelas texturas e explorei cada sentido afiando o ouvido em especial, pois, demorou, até que o mesmo, ficasse mudo. Sim, eram muitas as bocas ao pé do ouvido. Calar uma a uma, demorou-se quase uma volta inteira contemplando o oceano - sua vontade de mar, seu ar de sal e suas espumas de estrelas. Mas, antes de completar a volta, deitei-me ao chão e coberta de pássaros em noite de estrelas, lua imensa e riscos cadentes no céu, me chamou a visão.

          Já viram o silêncio? Pois é, não é corpo morto, vazio pendurado numa esquina qualquer. É parque de infantes dançantes que beira a loucura para quem vê, é adulteza imprevista saída do forno sem forma espalhando-se entre todos os corpos celestes e claro, é também anciã dos tempos sem volta a ditar suas rezas e unguentos entre a magia dos cânticos.

          E foi assim em meio ao silêncio, adormecendo instantes que esqueci e retornei para o templo em ruínas; esquecido entre palmeiras, musgos e criaturas piedosas que se alojaram em certos recantos decretando, ali, seu lar. É bom ter, povoado esses espaços; a vida por si, toma conta de tudo que é sagrado.

          Não, não as expulsei, já são partes vivas daquilo tudo, apenas ergui pedra a pedra, as que pude, junto aos escombros; deixei sempre por perto, o cálice cheio, afinal, sede é coisa sem aviso; reorganizei as folhas, frutos caídos e certas coisas tão próprias daquele lugar e naquele momento. É bom não esquecer que sempre, sempre haverá vento e nisso, você, ali, a rever cada espaço se refazendo e redescoberto.

          Ah esquecimentos é coisa boa porque nos faz lembrar!

          E agora, parto por aí novamente, às normais aventuras para colher objetos, coisa pouca que adorne e marque os trajetos. Pois é, mas não, não vi coisa alguma a datar de um tempo novo e no aguardo, por enquanto... no barco, em cada onda e em mãos, lente que alcança visões externas;  fico ali,  a marear sorrindo com cada palavra, gesto e pensamento, tão inteiramente igual ao de antes da necessidade de ilha.

          Se me entristeço diante da falta de estreia? Não, de jeito nenhum! Sorrio por saber que os caminhos são tão previsíveis, isso nos dá uma estranha sensação de um poder guardado em algum lugar, feito tesouro escondido e marcado com um “X”, no mapa desenhado por nossas próprias mãos. 

(Kátia de Souza em ®Ensaios de um novo tempo)
28-01-2020