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| Imagem: via Wikipédia "anônimo" referência a Yvain, o Cavaleiro do Leão |
Vamos nos aventurar um pouco? Trago aqui, hoje, um dos contos tratado no livro “A conquista psicológica do mal” de Heirinch Zimmer – faço uma síntese do conto e relaciono ao final a algumas reflexões, lamentando profundamente, não poder me estender mais, porém, ciente da riqueza que é explorar os detalhes do conto e se possível, o livro em si, para melhor compreender a visão de Zimmer, bem como, o conto em sua transcrição mais próxima do original.
Owain é um dos cavaleiros do Rei Artur que vive uma aventura que pode trazer a nós algumas reflexões. Não irei entrar em detalhes sobre as referências do conto em si, mas propiciar um espaço para refletirmos sobre nós mesmos, a partir do conto. Reflito aqui, segundo a minha experiência, sendo assim, qualquer que seja a reflexão diferente desta, é também válida, pois, o conto nos concede essa abertura em projeção e simbolismos; nada é estanque num conto, para mim, o mesmo, é campo aberto para as projeções e linguagem inconsciente – como a vida... e qualquer semelhança com a mesma, saiba, não é mera coincidência (risos). Então, solte-se, liberte-se de qualquer que seja a diretriz e aventure-se com Owain.
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O Cavaleiro do Leão(síntese)
Do livro: A conquista Psicológica do Mal (Heinrich Zimmer)
O cavaleiro Owain, a partir de uma história contada por um de seus companheiros, também cavaleiro, aventura-se a conquistar a fonte da vida e para isso, derrota o Cavaleiro Negro. Derrotado o Cavaleiro Negro, Owain desposa a Dama da Fonte e torna-se o próprio Cavaleiro Negro, agora, Senhor do Castelo da Fonte e guardião das Águas Perpétuas.
É assim que Owain (o herói da história) ingressa “no mundo feérico, na esfera transcendental dos poderes cósmicos superiores” – inicia aí sua jornada aos mistérios originais, seu mergulho junto a essas forças da vida que aparentemente, é “sobre-humana”. Agora como Senhor, Owain, fica separado do mundo comum e ordinário dos homens e em contrapartida, encontra-se encantado, tomado pela magia da esfera transcendente e pelas forças invisíveis, as quais apenas os eleitos, possuem acesso.
Porém, Owain é humano, pertence ao mundo dos homens e este mundo não abrirá mão do seu filho tão facilmente. Foi, por isso, que o Rei Artur e seus cavaleiros, após três anos de ausência de Owain, resolveram resgata-lo aventurando-se a enfrentar o guardião da Fonte da vida. E ali se trava intensa batalha com o cavaleiro Negro, agora Owain, porém, o Rei e os cavaleiros durante a batalha não sabiam disso, devido a armadura e todas as condições impostas para que isso não fosse revelado. Muitos dos cavaleiros foram derrotados pelo cavaleiro Negro (Owain), restando apenas Gawain(primo de Owain) e o próprio Rei Artur. Quando Artur, decidiu lutar com o cavaleiro Negro, Gawain tomou a frente e então travou-se a luta em nome do Rei. A luta demorou-se por três dias e diante da queda de Gawain e a retirada do elmo por um golpe da lança de Owain, eles então, renderam-se, ambos. Afinal, Owain reconheceu o primo e quis que a vitória fosse de Gawain, mas seu primo não aceitou a oferta, dessa maneira. Então, foi aí que o Rei Artur interveio e disse que nenhum seria o vencedor e ambos, entregam as espadas a Artur em reverência a uma batalha que não teve vitória, mas sim, rendição de ambas as partes.
A comitiva do rei foi convidada por Owain a estar no Castelo da Fonte até que recobrassem as forças para o retorno. Quando estavam para retornar, Artur conversa com a Dama da Fonte pedindo autorização a mesma, para que Owain os acompanhassem por três meses. E assim a Dama concedeu, mesmo entristecida e foi assim que a fonte da vida (Águas Perpétuas), ficou sem guardião. E como da primeira vez(esquecendo do mundo dos homens), Owain, se esquece do compromisso com a Dama da Fonte e permanece no mundo dos homens por mais de três meses. E assim como fora cobrado anteriormente, pelo mundo dos homens a retornar, assim também, o mundo transcendente irá lhe cobrar o retorno. Através de uma donzela montada em seu cavalo baio de crina ondulada, com freios e sela de ouro e um vestido de cetim cor do sol, Owain foi lembrado das suas aventuras e da Dama da fonte; a donzela lhe retirou o anel dado pela Dama da fonte chamando-lhe traidor, impostor, desleal e desonrado.
Entristecido, Owain se recolhe em seus aposentos e com a perda do anel e toda a memória do que viveu com a Dama da Fonte, envergonhou-se de si mesmo e foi incapaz de voltar ao convívio com os cavaleiros da Távola Redonda. A vida dos homens comuns também perde aí, seu encanto e motivação e já não podia voltar a sua vida anterior também, pois, fora rejeitado pela Dama que lhe tomou o anel. “Owain fora excluído do humano e do sobre-humano.” E é dessa forma que Owain cai em um mundo, abaixo desses dois mundos – vagando no ermo, desgastando suas roupas, o corpo se consumindo e os cabelos crescendo; vagava com as feras, comendo e convivendo com as mesmas, até se tornarem, familiares. Owain, realmente, tornou-se um selvagem e junto com as feras . Contudo, este mundo também começou a expulsar Owain, pois, o mesmo tornou-se tão fraco que já não podia estar ali.
Foi aí que o mesmo desceu as montanhas para o vale e num parque de uma condessa viúva. Quando ela(a viúva) e suas donzelas estavam passeando às margens do lago, viram um vulto de homem e mesmo com medo, estas o tocaram, olharam e viram que o mesmo ainda estava vivo, apesar da exaustão devido ao calor do sol. Ao voltar ao castelo a condessa, incumbiu uma de suas donzelas, a colocar um unguento precioso no coração de Owain, além de levar um corcel e algumas roupas para colocar perto dele. E assim fez a donzela, colocando todo o bálsamo sobre Owain e deixando os apetrechos junto ao mesmo. Owain revigorou-se, envergonhou-se de sua aparência, vestiu-se e com dificuldade montou o animal. Foi nesse momento que a moça se mostrou a ele e disse-lhe sobre onde ele estava – nas terra de uma condessa viúva que herdara de seu marido dois condados, mas nesse momento, só possuía aquela morada, pois, fora-lhe tomado por um jovem conde e vizinho porque a mesma, não quis desposa-lo.
Owain ficou hospedado no castelo com a condessa viúva, até que se recuperou e tornou-se ainda mais atraente agora, do que antes. Estando forte, Owain, travou batalha com o vizinho da condessa e seu exército e tornando-o prisioneiro, recuperou as terras da viúva. E mesmo diante dos apelos da condessa e das donzelas, Owain, não permaneceu por aquelas terras e disse que o que tinha que fazer por ali, estava feito e agora, era hora de partir. Foi assim que Owain, se embrenhou pela floresta, agora recuperado e já sabedor de como lidar com a vida solitária e as feras, tornou-se um heremita, vamos dizer assim, andando solitário pela região e sem rumo.
A Owain, já não cabia estar em lugar algum, não tinha parada ou morada, não possuía vínculos ou laços mais, e sem objetivos, decidiu percorrer as terras e desertos longínquos, transitando entre os dois mundos – o transcendente e o mundo dos homens. E esse espaço transitório segundo Zimmer, “é o caminho atemporal da reintegração do Self”.
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Ivain, o Cavaleiro do Leão (em francês: Yvain, le Chevalier au Lion) é um romance de Chrétien de Troyes. Foi escrito provavelmente nos anos 1170, simultaneamente com Lancelote, o Cavaleiro da Carreta, e inclui várias referências aos acontecimentos daquele poema. O personagem principal, Ivain, foi baseado numa figura histórica, Owain mab Urien.(fonte Wikipédia)
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Refletindo
Bem, a história tem continuidade onde Owain encontra o Leão e começa aí, toda uma jornada em sua vida, porém, agora num outro contexto ou com outro teor, já que Owain, deixou de ser quem era antes, como cavaleiro do Rei Artur e como cavaleiro Negro. Perdido ou em transição, vamos dizer assim, o nosso herói, vai se reencontrando, porém, já não mais como algo propriamente definido, um papel, um personagem que possui relação específica de um mundo próprio e comum ou mesmo apenas vestido com as forças ocultas e mágicas do mundo transcendente. Voltaremos à história num outro momento (parte 2).
O que gostaria de destacar aqui, sem deixar de lado a preciosidade dos detalhes do conto sem o devido olhar que merece, é sobre o quanto, foi necessário ao nosso herói experienciar suas aventuras, primeiramente, com seus jovens impulsos de valentia e coragem para adentrar ao mundo mágico e transcendente e depois, desapegar-se da magia para retornar ao que lhe era comum. O quanto o estar num desses mundos para o nosso herói era também esquecer do outro mundo que também ele havia experienciado e ambos, fazia parte da sua história e sua jornada; eram partes dele, também. O quanto o nosso herói, naquele momento, não conseguia integrar esses mundos, uni-los em si mesmo e por isso, necessitou lançar-se em outra jornada que o lançaria em algo que jamais poderia imaginar que vivenciaria – o abandono de tudo que era, de toda a sua identidade anterior em ambos os mundos. Foi preciso ao nosso herói, se abandonar para então, retornar e perceber que talvez, não pertencesse a lugar algum. E esse lugar algum é o que retrata a descrição acima, esse espaço transitório entre os mundos, onde aparentemente o mesmo se encontra sem rumo, sem objetivos, mas inteiramente de acordo com a vontade do mesmo.
O quanto em nossas vidas, vivenciamos tudo isso? Essa é uma pergunta interessante de se fazer. Vendo-nos pertencentes a determinados nichos sociais, núcleos familiares, geográficos entre outros e parece que empreendendo a mesma jornada do nosso herói. O quanto, a vida em sua sabedoria, nos cobra em compromisso e respeito, com todos esses mundos e experiências que empreendemos com nossas escolhas, quando não cumprimos com o que nos comprometemos de forma integral. E mesmo pensando cumprir, diante de nossa imaturidade, não cumprimos com a sabedoria que a vida quer de nós, ou ainda, com a sabedoria que é inconsciente em nós e a partir dessas experiências, emerge, certamente. Os nossos apegos e desapegos tão necessários e doloridos, tantas vezes, nossa coragem e nossa força sendo conquistadas, em cada escolha e experiência, sendo despertas. Enfim, podemos navegar em diversas direções por esse trecho do conto, porém, que saibamos que este, é infinitamente amplo, assim como nós. Acolhamos e sintamos com sabedoria e se possível, correlacionando com as nossas experiências.
Para mim, esse é um dos contos, nesse livro, lindamente narrado e comentado por Heinrich Zimmer, nos possibilitando margens e mais margens de expandirmo-nos além do que ele mesmo propõe. Que possamos refletir sentindo, sempre. Gratidão por você estar aqui. Seja sempre, muito bem vindo.
(Kátia de Souza) 04-01-2020
