sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Formas de Manifestação do Animus (II), Emma Jung, “Animus e Anima”, p. 28–40

Imagem:arte de Matteo Arfanotti
Imagem: Arte de Matteo Arfanotti

 Uma das expressões mais importantes do animus é, portanto, o julgamento. Ele se comporta com pensamentos em geral da mesma maneira que com julgamentos, ou seja, eles importunam a pessoa a partir de dentro como algo pronto e por assim dizer irrefutável. Ou, quando se originam no exterior, eles são adotados porque de alguma forma parecem iluminadores ou atraentes. Mas em geral, por outro lado, a mulher não se sente levada a adotar ou até mesmo a refletir sobre estes pensamentos para poder compreendê-los. A capacidade de diferenciação pouco desenvolvida leva a que se acolha com o mesmo respeito e com a mesma admiração pensamentos válidos e outros sem valor algum, pois tudo o que de alguma maneira lembra o espírito impõe-se e exerce sobre ela uma fascinação sinistra. Daí o sucesso de muitos charlatães, que com uma espécie de pseudo-espírito obtém resultados surpreendentes! Por outro lado, no entanto, a capacidade de diferenciação deficiente tem também seu lado bom: ele deixa a mulher sem preconceitos, de forma que ela muitas vezes sabe descobrir e apreciar valores espirituais mais rapidamente que o homem, cuja crítica desenvolvida o torna desconfiado e preconceituoso, precisando portanto de mais tempo até reconhecer um valor que pessoas menos preconceituosas já tinham reconhecido como tal há muito tempo.


O pensamento próprio da mulher (eu me refiro aqui à mulher em geral, sabendo que há muitas mulheres que há muito ultrapassaram esse estágio, tendo já desenvolvido extensamente tanto seu pensamento quanto seu ser espiritual) é preponderantemente prático e aplicado, aquilo que se chama uma compreensão humana saudável, em geral dirigida ao que está próximo e ao pessoal. Até aí ele está funcionando adequadamente no lugar que lhe cabe, não pertencendo propriamente àquilo que entendemos ser o animus em seu senso estrito. Ele se torna tal somente quando a energia espiritual não é mais dirigida apenas ao domínio da vida cotidiana, procurando além disso um outro campo de ação.

Em geral pode-se dizer que o espiritual da mulher, tal como se apresenta, é um caráter pouco desenvolvido, infantil ou primitivo: curiosidade em vez de desejo de conhecimento, preconceito em lugar de julgamento, imaginação ou sonho em vez de pensamento, desejo em vez de vontade.

Onde o homem trata de problemas, a mulher contenta-se com adivinhações; onde ele alcança sabedoria e conhecimento, a mulher se satisfaz com crenças ou superstições, ou faz suposições. Trata-se de estágios elementares que podem ser comprovados no espírito infantil e também no espírito primitivo. É assim que a curiosidade se apresenta às crianças e às pessoas primitivas, bem como os papéis desempenhados pela crença e pela superstição. No Edda há uma competição de enigmas entre o errante Odin e seu anfitrião, lembrando um tempo em que o espírito humano se exercitava com enigmas, como o feminino o faz hoje de forma preponderante. Temos também relatos semelhantes do mundo medieval e clássico. Eu me lembro do enigma da esfinge ou do de Édipo, nas sutilezas dos sofistas e escolásticos.

O “pensamento ilusório” (Wunschdenken, wishful thinking) corresponde igualmente a um determinado estágio de desenvolvimento espiritual. Ele é encontrado em temas de contos de fadas, e aí frequentemente como algo já passado quando a história decorre “na época em que ter desejos ainda ajudava”. O uso da magia, quando se deseja algo a alguém, também está na base dessa mesma representação. Em sua “Mitologia Alemã”, Grimm aponta a relação entre desejo, representação e pensamento:

“Um antigo nome nórdico de Wotan parece ser Oski ou Desejo. (As Valquírias são também chamadas de donzelas do desejo.) Odin, errante e deus do vento, senhor do exército dos espíritos e descobridor das runas, é um espírito-deus típico, embora uma figura primitiva, ainda rústica. Como tal, ele é senhor do desejo, isto é, não apenas doador de tudo o que é bom e perfeito, que está compreendido no desejo, podendo também provocar, criar através do desejo. Grimm interpreta: o desejo é a energia que mede, molda, dá, cria, forma a energia imaginativa, pensante e, portanto, também imaginação, ideia, imagem, forma. E em outro lugar ele diz: “Significativamente, o desejo em sânscrito chama-se manoratha, roda do sentido… o desejo movimenta a roda do pensamento.”

Um tal deus do espírito e do vento é então comparável ao animus feminino em seu aspecto sobrenatural, divino — nós também o encontramos com forma semelhante em sonhos e fantasias — , e este caráter de desejo é próprio do pensamento feminino. Quando se tem presente que a energia representativa não representa pouco para as pessoas, já que sempre que se quer pode-se criar uma imagem espiritual de alguma coisa, a realidade, ainda que imaterial, não deve ser negada, e então se compreende como é que imaginação, pensamento, desejo e criação foram equiparados. Especialmente num estado relativamente inconsciente, onde as realidades externa e interna não estão nitidamente separadas, transbordando uma na outra, é muito possível que uma realidade espiritual, isto é, algo imaginado ou um pensamento, seja considerado de maneira direta como real e concreto. Entre os primitivos também se encontra esta equiparação entre realidade externa concreta e realidade espiritual interior. Em seus escritos, Lévy-Bruhl dá vários exemplos disso. Falar mais a respeito aqui nos levaria entretanto longe demais. A mesma manifestação encontra-se também de maneira muito clara na postura espiritual feminina!

Fica-se surpreso ao se descobrir, quando se observa mais atentamente, com que frequência nos passa pela cabeça que algo se comporta assim e assado, ou que alguém interessado em nós faz isso ou aquilo, fez ou vai fazer; e sem nem mesmo pensar a respeito, confrontando a ideia com a realidade, já estamos convencidas de que é assim, ou pelo menos estamos inclinadas a aceitar a pura imaginação como verdadeira e adotar a realidade correspondente. Outras criações da fantasia também são facilmente consideradas verdadeiras e podem às vezes até mesmo aparecer em forma concreta.

Uma das atividades do animus mais difíceis de identificar ocorre nesse terreno, nomeadamente o estabelecimento de uma imagem de desejo de si mesmo. O animus sabe muito bem como desenvolver uma imagem e torná-la crível, de forma que mostra-se aquilo que se gostaria de ser, como por exemplo “a amante ideal”, “a comovente criança indefesa”, “a servidora abnegada”, “a extraordinariamente original”, “a que nasceu para algo melhor” etc, etc. Naturalmente, essa atividade lhe confere poder sobre a pessoa até o ponto em que se seja forçado ou se decida espontaneamente sacrificar a imagem representada e ver-se como realmente se é.

A atividade espiritual feminina também se manifesta com muita frequência em cismas orientadas em geral retrospectivamente: que a própria pessoa, ou outras, deveria ter feito tudo de maneira diferente, e como; ou relações causais são construídas como se fossem uma obrigação. Gostamos de chamar a isso de “pensar”, mas é claro que se trata de uma forma de atividade espiritual notavelmente próxima, e improdutiva, que na verdade leva somente à automortificação. Também aqui está novamente caracterizada a deficiência no que se refere à diferenciação entre a realidade e aquilo que é apenas pensado ou imaginado.

Poder-se-ia dizer também que o pensamento feminino, até onde não atua de forma prática como compreensão humana saudável, não é um pensamento propriamente dito, e sim mais sonho, imaginação, desejo e receio. Através da diferenciação espiritual primitiva entre imaginação e realidade pode-se então esclarecer em parte também o poder e autoridade do fenômeno do animus: porque na verdade o espiritual, isto é, aquilo que é representado, possui ao mesmo tempo um caráter de realidade imediato, e por isso também que o que o animus diz parece ser imediatamente verdadeiro.

Com isso chegamos à magia da palavra.

Da mesma forma que algo imaginado, um pensamento, a palavra também age como realidade para o espírito não diferenciado. Nosso mito bíblico da criação, por exemplo, onde o mundo surge quando o criador pronuncia a palavra, é um documento desse tipo. O animus, portanto, também tem o poder mágico da palavra, e assim os homens que atuam pela palavra podem, no bom e no mau sentido, exercer grande poder sobre a mulher. Estaria eu falando demais quando dou a entender que a magia da palavra, a arte da conversa, é o que mais infalivelmente prende a mulher ao homem, seduzindo-a?

De qualquer forma, não é somente a mulher que está sujeita à magia da palavra, mas trata-se de um fenômeno de ocorrência geral: as runas sagradas da antiguidade, os mantras, fórmulas de oração e de magia de todos os tipos, chegando até às expressões técnicas e tópicas de nosso tempo — todos eles atestam o poder mágico do espírito tornado palavra.

Mas em geral é mais provável que a mulher se submeta a esse efeito mágico que um homem de nível correspondente. Este tem por natureza o impulso de compreender as coisas com as quais lida; como exemplo disso, os meninos pequenos adoram desmontar seus brinquedos para saber qual sua aparência por dentro ou saber como funciona. Esse impulso é muito menos pronunciado na mulher. Ela pode, por exemplo, manejar muito bem instrumentos ou máquinas sem que lhe ocorra querer estudar ou compreender sua construção. Por isso também uma palavra que lhe soe significativa pode se impor sem que ela na verdade entenda exatamente o seu sentido, enquanto o homem busca antes o significado.

Apresentar-se não como forma, mas como palavra (logos significa, afinal, palavra) é uma forma de manifestação especialmente característica do animus; isto é, como uma voz que comenta ou compartilha da repreensão ao comportamento seja qual for a situação em que se encontre. Muitas vezes, é exclusivamente sob essa forma que o animus é percebido pela primeira vez como algo diferente do eu, muito antes que tenha se cristalizado em uma configuração pessoal. Até onde pude observar, essa voz manifesta-se principalmente em duas tonalidades; numa avaliação crítica, em geral negativa, de qualquer emoção, numa pesquisa minuciosa de todos os motivos e intenções que naturalmente sempre provoca sentimentos de inferioridade e costuma sufocar cada iniciativa, cada desejo ainda em gérmen. Como variação, até agora fizeram-se elogios exagerados, e o resultado desse julgamento extremo é que se oscila entre a consciência de total nulidade e um elevado sentimento de valor e de si mesmo.

A segunda tonalidade movimenta-se mais ou menos exclusivamente no estabelecimento de mandamentos e proibições ou em ditar concepções em geral válidas. Parece que aqui são expressos dois lados importantes da função do logos: por um lado, a discriminação, o julgamento e o reconhecimento; por outro, a abstração e o estabelecimento de leis gerais. Poder-se-ia dizer, talvez, que onde o primeiro tipo de funcionamento predomina a figura do animus aparece como uma pessoa, enquanto ela, quando o segundo tipo predomina, surge como vários, uma espécie de “conselho”. Discriminação e julgamento correspondem mais a um indivíduo, enquanto o estabelecimento e abstração de leis, que têm por pressuposto a comparação e a concordância de muitos, é convenientemente expresso por uma maioria.

O que entretanto se refere propriamente àquilo que é criativo no espírito é reconhecidamente algo muito raro na mulher. Há muitas mulheres que já desenvolveram extensamente sua capacidade de pensamento e diferenciação, sua crítica, mas muito poucas são espiritualmente criativas como o homem. Dizem as más línguas que a mulher não possui tão pouco talento para a invenção que se o homem não tivesse descoberto a colher ela estaria mexendo a sopa até hoje com um pau.

O criativo na mulher expressa-se bastante mais na vida que em obras, não apenas em sua função biológica como mãe, mas na configuração da vida como um todo, seja em seu papel de companheira do homem, em sua atividade como educadora da criança, como dona-de-casa ou sob qualquer outra forma. A configuração de relações pertence preferencialmente à configuração da vida, e esta é a área apropriada para a energia criativa feminina.

Nos produtos do inconsciente, em sonhos, fantasias ou simplesmente em pensamentos que se nos apresentam, encontramos também no entanto o momento do espiritual-criativo, isto é, estes produtos contém frequentemente ideias, verdades de natureza puramente objetiva, absolutamente impessoal. A transmissão de tais conhecimentos e conteúdos é muito apropriadamente a função do animus superior.

Encontra-se com frequência em sonhos, especialmente de mulheres que têm um pensamento mal-desenvolvido ou uma educação pobre, símbolos científicos abstratos que praticamente não podem mais ser entendidos como pessoais, representando diagnósticos ou ideias objetivas que são mais surpreendentes para a própria mulher que os sonha que para qualquer outra pessoa. Assim, eu sei de uma mulher para quem o pensamento é a “função inferior”, mas em cujos sonhos o assunto mais frequente são questões de astronomia e física e instrumentos técnicos de todo tipo. Uma outra mulher, de um tipo totalmente irracional, desenhava como representação de conteúdos inconscientes apenas figuras estritamente geométricas, formas extremamente semelhantes a cristais, como se pode encontrar em livros escolares de geometria ou de mineralogia. E ainda em outras o animus transmite visões de mundo e de vida que fogem muito de seu pensamento consciente, e cuja qualidade criativa não pode ser negada.

Entretanto, na área em que a atividade criativa da mulher é mais ostensiva, naquela das relações humanas, o criativo é menos fruto do espírito no sentido de logos, sendo muito mais produto do sentimento, de par com a intuição ou a sensibilidade. Aqui, ao contrário, o animus pode ser diretamente perigoso, quando ele interfere como intelecto em lugar de sentimento nas relações e, dessa maneira, as dificulta ou impossibilita. Acontece muito frequentemente que, em vez de se apreender a situação ou o outro através do sentimento e encará-los de maneira correspondente, se imagina algo sobre eles e é essa fantasia que se tem de reagir de forma humana; pode ser uma atitude muito correta, bem intencionada e sensata, mas que não funciona, ou funciona da maneira errada, por ser apenas objetiva e factualmente correta, porque o parceiro ou a relação não requer naquele momento conhecimento ou objetividade, e sim intuição. É muito comum acontecer de, com o sentimento de se estar agindo muito valorosamente, adotar-se uma dessas atitudes pragmáticas e com isso arruinar totalmente uma situação. A incapacidade de se compreender que conhecimento, razão e pragmatismo não têm sentido em determinados lugares costuma ser surpreendente. Eu só posso explicar isso pelo fato de que se está acostumado a encarar o gênero masculino em si mesmo como algo de maior valor, superior ao feminino, de tal forma que se acredita que uma postura masculino-pragmática seria, em qualquer caso, melhor que uma feminina-pessoal. Isso diz respeito especialmente às mulheres que já alcançaram uma determinada conscientização e valoração daquilo que é lógico-racional.

Chegamos aqui a uma diferença muito importante entre o problema do animus da mulher e o problema da anima do homem, que, segundo me parece, merece a nossa atenção.

Quando o homem descobre sua anima e tem de brigar com ela, ele precisa aceitar algo que para ele até então tinha pouco valor — neste caso, não faz muita diferença que a figura da anima, seja ela imagem ou pessoa, aja de maneira fascinante, atraente, e portanto valiosa. Muitas vezes o feminino em si teve até agora em nosso mundo, quando comparado ao masculino, o valor de algo inferior, e somente agora começa-se a se fazer justiça a ele. Expressões como “apenas uma garota” ou “uma moça não faz uma coisa dessas”, um comportamento que o representa como desprezível e inferior, são bastante característicos. Também nas nossas leis, nas quais até pouco tempo atrás e em muitos lugares até hoje o homem declaradamente precede a mulher, tem mais direitos, é seu tutor etc., essa concepção era universalmente dominante. Em consequência, o homem, quando estabelece relações com sua anima, tem igualmente que descer do pedestal em que está, tem que vencer uma resistência, superar seu orgulho, quando ele reconhece “a senhora”, segundo Spitteler, ou “she-that-must-be-obeyed”, como a chama Ryder Haggard. Com a mulher é diferente. Não se chama o animus de “he-that-must-be-obeyed”, antes pelo contrário, pois instintivamente é demasiado óbvio para a mulher obedecer à autoridade do animus, ou também do homem, com subserviência de escrava. A concepção de que o masculino tem em si mais mais valor que o feminino está em seu sangue, por mais que ela conscientemente pense de outra maneira, e contribui muito para acentuar o poder do animus. O que temos que superar em relação ao animus não é o orgulho, mas sim a falta de autoconfiança e a resistência da indolência. Para nós, não é como se tivéssemos que subir a montanha (a não ser quando se é idêntica ao animus), mas como se tivéssemos que provar nosso valor, o que frequentemente requer coragem ou força de vontade. Para nós é como se fosse uma petulância quando opomos nossas próprias convicções incompetentes aos julgamentos do animus e do homem, que reivindicam validade universal; e muitas vezes não é pouco o que custa animar-se a uma tal igualdade espiritual aparentemente atrevida, pois aí pode-se facilmente ser mal compreendida ou julgada erradamente. Mas sem esse ato de insurreição, ainda que se tenha que sofrer as consequências, a mulher nunca se libertará do poder do tirano. Visto de fora, ele parece muitas vezes ser exatamente o contrário, pois com demasiada frequência surge uma segurança arrogante, um aplomb que não admite absolutamente nada, e nota-se menos a timidez e a falta de convicção em si mesma. Na verdade, essa atitude obstinada e confiante, ou até mesmo combativa, deveria ser confrontada com o animus e às vezes é bem isso o que pretende, mas em geral é o sinal de uma identidade mais ou menos completa.

Não somos somente nós na Europa que sofremos desse culto aos homens que sem dúvida ainda sobrevive, ou melhor, dessa supervalorização do masculino. Também na América, onde se costuma falar de um culto à mulher, a coisa no fundo não é diferente. Uma médica americana com grande experiência me disse que todas as suas pacientes sofrem com a inferioridade do próprio sexo, e que ela antes de mais nada precisava insistir com todas para que concedessem ao feminino o valor que lhe é devido.

Em contrapartida, são pouquíssimos os homens que têm pouca consideração para com o próprio sexo; ao contrário, em geral eles se orgulham dele. Moças que gostariam de ser rapazes há muitas, mas um rapaz que gostaria de ser uma menina é visto como algo quase depravado.

A partir desse estado de coisas, o posicionamento da mulher em relação ao animus resulta naturalmente muito diferente do que o posicionamento do homem em relação à anima. E muitas manifestações ligadas a isso, que o homem não pode compreender como paralelas à sua vivência da anima e vice-versa, devem ser atribuídas ao ponto de vista de que, sob este aspecto, as tarefas do homem e da mulher são diferentes.

Sem dúvida, há sacrifícios também para a mulher. Para ela, tornar-se consciente significa a perda de um poder especificamente feminino. Com a sua inconsciência e graças a ela a mulher exerce um efeito mágico sobre o homem, uma magia que lhe confere poder sobre ele. E por sentir isso instintivamente e não querer perder esse poder, ela muitas vezes opõe-se com tenacidade à conscientização, mesmo que o espiritual como tal pareça-lhe altamente desejável. Muitas mulheres mantêm-se por assim dizer artificialmente inconscientes somente para não ter que fazer esse sacrifício. Mas é preciso dizer, no entanto, que nisso muitas vezes a mulher é também corroborada pelo homem, pois muitos homens encontram prazer exatamente na inconsciência da mulher e colocam todos os obstáculos possíveis em seu caminho rumo a uma maior consciência, que parece a eles incômoda e desnecessária.

Um outro ponto que costuma passar despercebido e que eu também gostaria de mencionar agora está na função do animus em relação à anima. A concepção corrente é que animus e anima são agentes mediadores entre os conteúdos inconscientes e a consciência, e com isso quer-se dizer que ambos trabalham exatamente da mesma maneira. Isso procede uma maneira geral, mas me parece importante apontar também a diferença de papéis do animus e da anima. Ela ajuda na percepção de coisas que de outra maneira permanecem no escuro. Há uma condição prévia para isso: trata-se de uma espécie de escurecimento da consciência, portanto da instalação de uma consciência mais feminina, que é menos penetrante e clara que a masculina, mas que num âmbito mais amplo percebe coisas ainda vagas. O dom visionário da mulher, sua capacidade de intuição é conhecido há eras. Seus olhos mais desfocados permitem-lhe pressentir o escuro e ver o que está oculto. Essa visão, a percepção daquilo que não pode ser visto de outra maneira, torna-se possível ao homem através da anima.

No animus, entretanto, a tônica não se encontra na percepção pura e simples — como foi dito, isso já foi concedido ao espírito feminino desde sempre — , mas sim, de acordo com o ser do logos, no conhecimento e especialmente na compreensão. O que o animus tem a transmitir é mais o sentido que a imagem.

Seria um erro acreditar que alguém empregou seu animus quando esse alguém abandona-se à sua fantasia passiva. Não se deve esquecer que dar corda à sua atividade de fantasia é a norma para a mulher, não representando isto qualquer realização; acontecimentos ou imagens irracionais cujo sentido não se compreende parecem para ela algo totalmente natural, enquanto, para o homem, lidar com isso é uma realização, significando uma espécie de sacrifício da ‘ratio’, um salto da luz para a escuridão, do claro para o opaco. Para o homem é um esforço admitir que todos os conteúdos aparentemente incompreensíveis ou mesmo sem sentido poderiam ter valor; além disso, a postura passiva, exigida pela contemplação, corresponde no todo menos à natureza ativa do homem. Para a mulher isso não é difícil. Ela não tem nenhuma premeditação contra o irracional, não tem a necessidade de imediatamente encontrar um sentido para tudo, nem aversão pelo passivo suportar tudo isso. Para aquelas mulheres para as quais o inconsciente não se abre facilmente, que encontram dificuldade em ter acesso a seus conteúdos, o animus pode tornar-se mais um empecilho que uma ajuda quando quer analisar e compreender de imediato cada imagem que emerge antes mesmo que ela pudesse ser percebida. O animus deve exibir sua genuína eficácia somente depois que esses conteúdos tiverem penetrado na consciência, tendo já talvez até mesmo tomado forma. Neste momento, sua assistência é então inestimável, pois ele ajuda para que se chegue à compreensão e ao sentido.

É possível, entretanto, que alguém seja notificado de um sentido diretamente a partir do inconsciente, de forma que não são símbolos ou imagens que se apresentam, mas um conhecimento pronto expresso em palavras. Esta é, na verdade, uma manifestação muito característica do animus; muitas vezes o difícil é apenas descobrir se no caso se trata de um dos significados conhecidos, válidos universalmente, e portanto coletivos, ou de uma inteligência real, e portanto condicionada ao indivíduo. Para que isso fique claro, requer-se novamente apreciação crítica consciente e uma diferenciação clara entre a própria pessoa e o animus.
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