Marie-Louise von Franz vai falar da "pressa ou afobação", a qual a pessoa criativa é tomada - sobre o seu lado sombrio, segue:
"Agora, essa Pressa e seu temperamento violento tem mais um significado muito importante. Em certo sentido, a criatividade sempre está muito perto de alguma coisa diabólica. Podemos ver isso hoje em dia de forma muito imediata, talvez, em nossas descobertas tecnológicas, que mostram como o homem sempre tende a exagerar. Basta que lembremos a extensão da destruição e da poluição que causamos ao meio ambiente como resultado desse exagero afobado de nossas descobertas tecnológicas. Podemos dizer que o nosso progresso em termos de consciência humana tem sido repetidamente caracterizado por exageros apressados e catastróficos. Nesse sentido, podemos considerar também o que ocorreu no campo da psiquiatria e todos os pecados que foram cometidos aí, nos últimos cinquenta anos. É impossível descrever as numerosas coisas que foram experimentadas e altamente valorizadas até que, dois ou três anos mais tarde, quando era comprovado que a mais recente inovação causava mais danos que benefícios, eram descartadas - sempre mantendo a mesma atitude de experimentar alguma outra novidade.
Essa característica da pressa tem ligação direta com a criatividade: não se pode ser criativo sem que uma certa febre criativa se aposse da pessoa, sem que ela se sinta excitada e cheia de entusiasmo. Aliás, por um lado isso é essencial. Por outro, se não desenvolvermos um grande senso moral de responsabilidade, então tudo se desenrolará de forma negativa devido à afobação e à maneira descuidada de ser. Por isso, é que nos nossos mitos de criação tantas vezes deparamos com os duplos sentidos, inclusive desde o início da narrativa."
"Há evidências concretas(...) (...)de que muitas pessoas criativas têm algo de demoníaco. Seus cônjuges teriam muito a dizer a esse respeito, pois, uma pessoa criativa pode ser impiedosa e, até certo ponto, deve sê-lo, pois, precisa de toda a sua energia para o objeto de sua criatividade e não tem vitalidade suficiente para dar conta de todas as outras exigências da vida. "
"Quando irrompe um impulso do inconsciente, ele sempre é acompanhado pelo ímpeto de realiza-lo de maneira concreta. Esta é uma verdade geral. Vemos isso, no mais das vezes, por exemplo, quando os fenômenos da transferência ocorrem durante um tratamento psicológico. Quando o paciente se apaixona pelo analista e sonha que faz amor com ele, temos um sinal de que essa pessoa está precisando experimentar mais proximidades humanas, um contato humano melhor. Todavia, mais frequentemente, o paciente dá a esse conteúdo uma interpretação mais concreta e gostaria de vê-lo realizado imediatamente. Não se trata de estupidez; pelo contrário, sabemos que em nós "isso" nos está dirigindo. Cuida-se de uma determinada força diabólica que entretanto, se fosse para ser realmente concretizado, o paciente seria o primeiro a se decepcionar. Ele, porém, é incapaz de se conter e não percebe o que é para ser entendido simbolicamente. É assim que acontece com a maioria dos conteúdos oriundos do inconsciente. Eles sempre são acompanhados por esse impulso apressado de pôr as coisas imediatamente em prática. Esse é o demônio. Isso quer dizer que, a pessoa deve, antes de tudo, pensar sobre o caso e dizer: "Espere um instante. Vamos aguardar e ver o que quer ser, realmente concretizado.
Numa carta, Jung chegou inclusive ao ponto de dizer: "Forças diabólicas são arquétipos num estágio inicial de movimento rumo a consciência." Isso quer dizer que todos os arquétipos , quando começam a se mover na direção da consciência, contêm aspectos demoníacos. Somente depois que o limiar da consciência é transposto e o conteúdo integrado, é que seu significado positivo se torna claro. Isso também quer dizer que aquilo que é demoníaco não é algo absoluto. Pelo contrário, é um estágio a ser superado por parte dos conteúdos inconscientes, em sua mobilização, até o campo da consciência. Isso explica porque as pessoas criativas são expostas tão de perto ao demoníaco, às forças diabólicas, pois nelas os conteúdos arquetípicos estão atravessando limiares e tentando alcançar a consciência. Também essa é a razão pela qual com muita frequência a pessoa vê que, antes de acontecer a concretização criativa, há uma perturbação na criatividade, aparecendo alguns impulsos demoníacos. Conheci um homem criativo, certa vez, que, antes de poder dar prosseguimento ao seu trabalho criativo, sofria de ataques de malícia - nos quais ele agredia verbalmente todo e qualquer amigo que tinha. Como era um sujeito muito inteligente, capaz de falar com muita precisão, conseguia ferir com malícia cada um dos amigos quando os encontrava; claro que o resultado disso era todos o abandonarem. Só então, quando estava completamente sozinho e ninguém mais se aproximava era que ele tentava manter contato com eles. Mas, naturalmente, aí ninguém mais tinha tempo para ele. Então ele voltava para sua sala, é só nesse instante é que se tornava capaz de fazer algo que valesse a pena; quando se via absolutamente isolado, sem ninguém querendo nada dele, é que conseguia dar à luz. Outras pessoas fazem a mesma coisa para si mesmas, sozinhas entre suas quatro paredes. Passam por depressões e sentem-se profundamente desencorajadas. Sentem que não têm valor e nada tem sentido. E só então, quando estão inteiramente arrasadas, é que se conseguem começar a trabalhar."
"(...) a pessoa tem de reconhecer que há uma carga acumulada em seu íntimo e que não deve deixa-la sair pelo caminho errado; precisa contê-la até que possa sair do jeito certo. Claro, porém, que isso exige uma poderosa autodisciplica."
Marie - Louise von Franz em "Mitos de Criação"
........................................
Dentro da minha experiência, lidar com essas forças criativas em seu lado sombrio é um grande desafio para o "artista" e/ou para o terapeuta que por ventura se deparar com isso. Contudo, é importante saber diante de quem e de que está exposto, e o quanto esse acúmulo de energia é que está favorecendo comportamentos autodestrutivos e/ou ainda eliciando eventos destrutivos em suas vidas. Sim, isso também acontece, pois, quando falamos de forças arquetípicas, estamos falando de forças inconscientes e o inconsciente não se manifestará apenas internamente ou através de comportamentos, este também se mostra em eventos sincronísticos, fora. É importante levar a pessoa a se conscientizar que essas forças não são "más" em si mesmas, porém, estão se manifestando dessa forma por falta de uma expressão e contenção mais adequada. É como se essas forças estivesses dizendo ou pedindo para serem vistas. Sinto que é uma parte nossa a nos apelar consciência. Por isso, auxiliar à devida aceitação dessas energias, é o primeiro passo. Aceitando, certamente outras questões se somarão para que se possa lidar com essa forças de forma adequada e isso se verifica junto ao paciente ou mesmo, observando e acolhendo o seu processo criativo. E mais uma vez é importante dizer que cada um é único e manifestará isso de forma muito peculiar. Para mim, o que me auxilia e auxiliou muito até então, é a Imaginação Ativa. Porém, é somente em si mesmo que se encontra o melhor caminho e portanto, a terapia nesses casos, é algo fundamental e junto ao paciente é que se encontra os meios de lidar com isso, pois, é importante respeitar a sua dinâmica psíquica que é única. (Kátia de Souza)
Dentro da minha experiência, lidar com essas forças criativas em seu lado sombrio é um grande desafio para o "artista" e/ou para o terapeuta que por ventura se deparar com isso. Contudo, é importante saber diante de quem e de que está exposto, e o quanto esse acúmulo de energia é que está favorecendo comportamentos autodestrutivos e/ou ainda eliciando eventos destrutivos em suas vidas. Sim, isso também acontece, pois, quando falamos de forças arquetípicas, estamos falando de forças inconscientes e o inconsciente não se manifestará apenas internamente ou através de comportamentos, este também se mostra em eventos sincronísticos, fora. É importante levar a pessoa a se conscientizar que essas forças não são "más" em si mesmas, porém, estão se manifestando dessa forma por falta de uma expressão e contenção mais adequada. É como se essas forças estivesses dizendo ou pedindo para serem vistas. Sinto que é uma parte nossa a nos apelar consciência. Por isso, auxiliar à devida aceitação dessas energias, é o primeiro passo. Aceitando, certamente outras questões se somarão para que se possa lidar com essa forças de forma adequada e isso se verifica junto ao paciente ou mesmo, observando e acolhendo o seu processo criativo. E mais uma vez é importante dizer que cada um é único e manifestará isso de forma muito peculiar. Para mim, o que me auxilia e auxiliou muito até então, é a Imaginação Ativa. Porém, é somente em si mesmo que se encontra o melhor caminho e portanto, a terapia nesses casos, é algo fundamental e junto ao paciente é que se encontra os meios de lidar com isso, pois, é importante respeitar a sua dinâmica psíquica que é única. (Kátia de Souza)
Psiquê - alma e Conhecimento - Kátia de Souza