terça-feira, 4 de maio de 2021

Sobre as forças criativas

            Marie - Louise von Franz, fala-nos, no texto abaixo, do processo criativo e o que isso significa, considerando a psicologia humana, como isso se dá e o quão difícil é lidar com essa dinâmica da criação ou da "pessoa criativa". A mesma vai falar da pressa ou afobação que normalmente nos assalta ao criarmos, e o quanto conter esse impulso pode "matar" a criatividade ou a criação emergente.


            Quanto a contenção do processo criativo, no sentido de conter na medida "certa, adequada ou equilibrada", penso e sinto que faz-se necessário, à pessoa criativa, ter espaço para expressão, para deixar jorrar com maior liberdade, inicialmente, essas forças que despertaram em nós, até mesmo para que a mesma, viva o seu processo criativo e reconheça como o mesmo se dá, que forças são estas, nele. Cada pessoa criativa possui um ritmo, uma forma de expressão e de irrompimento dessas forças. Não somos todos iguais, temos nossas peculiaridades a serem reconhecidas. E nem sempre isso é tão óbvio quanto parece, sempre é bom lembrar.


            Reconhecendo o seu processo criativo a dinâmica do mesmo em si, a pessoa poderá saber quais recursos usar para uma contenção equilibrada. Não são fatores externos que poderão conter, mas sim, os próprios fatores emergentes nos sinalizarão como fazê-lo, no tom e ou forma precisa, para cada "artista", vamos assim dizer. E considerar os tipos psicológicos e suas devidas funções, nesse processo, sem dúvida, possibilitará à pessoa, lidar melhor com essas forças criativas ou orientar seu paciente.


            E quanto ao conter demais e a "ideia/criação" morrer, Marie -Louise von Franz, irá falar, posteriormente, sobre o aspecto sombrio do processo criativo que está ligado, diretamente, ao que ela chamou de "forças diabólicas" e por isso, forças destrutivas. E esse aspecto destrutivo, não é somente relacionado a "morte" da criação em si, mas também dessa destrutividade, também poder se expressar na vida do artista de diversas formas, caso o mesmo não saiba lidar com consciência com seu processo criativo. Mas, sobre os aspectos sombrios da criatividade, postarei a explanação de von Franz, num outro momento.


Kátia de Souza - 04/05/2021

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            "(...) pessoalmente, cheguei à constatação de que um dos maiores problemas em qualquer tipo de criação é ser capaz de administrar adequadamente o tempo da ânsia criativa. Quando a gente se sente nas malhas de um processo criativo, geralmente nos deixamos ser arrastados por isso e nos tornamos afobados, querendo despejar tudo par fora imediatamente. Há aquela avalanche interna de ideias e temos medo de, no começar a escrever, não conseguir registra-las rápido o suficiente, a fim de não perde-las novamente de vista. Se a pessoa criativa é do tipo intuitivo, isso é particularmente difícil porque a mão que escreve ou pinta não consegue acompanhar o fluxo de ideias com a rapidez suficiente. Isso não acontece só com a criação verbal; a mesma coisa aparece também nas artes plásticas. Alguém vê um quadro ou uma peça na pedra e o que ela deve parecer, quer tira-la da pedra rapidamente, ou coloca-la no papel ou na tela, temendo perder a visão interior daquela coisa, pois se esfriar e perder o frescor, essa pessoa está perdida! Não pode traze-la de volta à tona em sua mente, uma segunda vez. Logo, precisa forja-la, cria-la, no momento em que está quente, quando se encontra à sua frente, oferecendo-se à você. Ao mesmo tempo, é precisamente essa sensação do que deve ser feito, enquanto está insistindo por dentro, que conduz muito facilmente a pessoa a criar com afobação, seja escrevendo de qualquer jeito, ou achando às pressas alguma maneira de expressão artística e, com isso, naturalmente, ela arruína completamente a obra. Aí é preciso refazê-la duas ou três vezes, tirando os excessos, limpando, mas às vezes o estrago é de tal ordem que não é mais possível trazê-la de volta. Dessa maneira, essa sensação de explosão precipitada é um dos perigos e dificuldades da maioria dos impulsos criativos.


            No campo científico, existe o mesmo perigo, sob a forma de se atirar a conclusões e generalizações. Um aspecto parece que se encaixa bem com as coisas e então você o generaliza: tudo é a mesma ideia. Isso dá origem a teorias muito monomaníacas nas quais uma ideia é martelada em cada objeto e, se o objeto não acolhe essa investida, então você força e engana, porque tem de encaixar. Isso é uma criatividade afobada. Na história da ciência, por exemplo, a maioria das ideias equivocadas nas quis a humanidade já esteve emaranhada, algumas vezes por séculos, foi causada por uma concepção (em si correta) que era tão apressadamente generalizada que, daí em diante, bloqueou outras investigações. A pessoa fica tão emocionalmente preenchida com uma nova descoberta que esse perigo de matar tudo aplicando-o de forma muito descuidada e apressada é um dos maiores riscos que corre a atividade criativa. E é muito difícil disciplina-la. Por exemplo, Jung escrevia seus livros muito devagar, à mão. Se olharmos os manuscritos, vermos que são poucas as correções. Ele não conseguia escrever mais que uma página ou duas por hora, porque tomava muito cuidado, parando depois de cada sentença. Observei durante muitos anos esse procedimento e jurei que faria o mesmo, pois, acho que é a única forma certa, mas não consegui até hoje, assim agir. Para mim é uma luta de vida ou morte segurar Dona Pressa. Vocês podem rir de mim, não me importo, mas tentem por si mesmos antes de rirem demais! O impulso criativo é tão poderoso e se apodera emocionalmente da pessoa com tanta força que ela tem, ao mesmo tempo, de conter suas emoções, o que, naturalmente, pode surtir o efeito oposto e impor um ritmo lento demais. Se você contiver demais sua impaciência a ideia desaparecerá e perderá a flama da intuição original e morrerá."


Marie - Louise von Franz - Mitos de Criação
Psiquê - Alma e Conhecimento - Kátia de Souza