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imagem, créditos na mesma |
É tão
estranha a consumação dos dias, consumação no sentido de se ver; ver com os
olhos da alma, ver com os sentidos a frente sem os conceitos que nos definem e
definimos tudo; sim, não é possível nos desvencilharmos deles todos e quando
assim pensamos, estamos a mercê dos mesmos. Contudo, é ver, ver com a largura
do corpo ou mais, ter-se em si olhos tão grandes que ultrapasse os limites do
real e concreto estado de ser humano coerente e chegue a loucura daqueles ditos
doentes. Bem, não é adoecer no sentido da cabeça que nos ensinaram por aí, mas
é conceder esse olhar agigantado até mesmo para o que se entende sobre loucura.
Já tentou ir além da doença que te ensinaram evitar? E aqui não tem como não se
lembrar de minha mãe dizendo: “Coisas de Deus não se questiona.”
Em sua
sabedoria rasa, minha mãe sabia das coisas e somente conseguia trazer aquilo
que lhe era pertinente e coerente, sem dar vazão as vozes loucas que nos
invadem. Então, ela dizia isso sempre: “Não se questiona as coisas de Deus.”
Mas, era algo inevitável, pois, do ventre dessa terra já nascia os rebentos que
quebrariam todas as barreiras desta sábia incoerência, para retornarmos ao já
sabido, mas era preciso o trajeto e então, como não questionar o maior de todos
os mistério à uma menina de nove anos?
Era
imprecisa a loucura naquela época, mas adoeceu de jeito os cabelos e as ideias
da menina saltitante entre patins, bicicleta e corda e em tudo que pousava seus
olhos, lá estava ela, dizendo: “Deus, você está aí?” Calava-se... silêncios
infindáveis a tomavam pra si... e nada
ouvia porque em si já tinha encrustado a fala materna, então, como pecar
perante o amor mais amor que ela conhecia? Mas, desobedecia em partes porque
era de sua natureza e cumpria com seu destino; nada de especial, pois, sempre
presenciou outros tantos olhares, entre uma rua e outra, de certas crianças;
olhares longínquos e corpos agitados, perscrutando vielas, recantos e como uma
sonda espacial, vigiava todos os passos do universo para saber daquele mistério
dos mistérios.
E foi assim
que nos limites da sanidade e o que lhe diziam ser loucura, todas as vestes ou roupas
concedidas a mesma, foram sendo tiradas, uma a uma, até que nua, sem saber-se
mais por onde resguardar-se, presenteou-se com respostas recolhidas entre
tantos jardins e seus detalhes. Jardins estes, vistos nítida e claramente,
naqueles olhares todos e estes, por sua vez, viram também os seus olhos e
neles, sorriam risadas altas e intermináveis, confirmando uma procura que se
encontrava ali, naquele reencontro.
Transpor os
limiares da loucura, não é algo muito tranquilo num mundo muito normal, pois,
tudo o que é a partir desse rótulo já lhe concedido há tempos, nada lhe gera credibilidade
ou elos/vínculos muitos seguros, sempre são frágeis, sempre; como a certeza
materna pronunciada há tanto tempo, mas nunca, nunca mesmo são irreais, possuem
todas, uma verdade datada e
caracterizada pela soma de certos fatores invisíveis aos olhos comuns. Porém, para sabermos das verdades, eis que
temos que ultrapassar os limites das mesmas e invadir as insanas mentiras que
contamos a nós todos e até certo ponto, contar a nós mesmos que estas, são
verdades. E passando esse impasse,
certamente ciente de que na verdade, a verdade é indiferente a tudo isso,
certamente, encontrar-se-á todos os jardins, todos os olhares – o seu olhando
para eles e eles olhando para você. É, é louco mesmo, mas é tão bom enlouquecer
assim, porque nisto, percebe-se a verdadeira estada no mundo e um mistério além
de todas as certezas a ser respeitado e compreendido, através, de uma voz
companheira que sussurrada, lhe acompanha uma vida toda. Sempre, sempre esteve
ali. E era esta a voz que calava diante do insondável mistério, revelando-se em
meio a todo aquele silêncio.
Consumar
seus dias além das certezas, nem sempre é confortável, mas é justamente, junto
a todos os olhares que você entende o porquê e então, acolhido em si tudo isso,
nada mais em falta lhe incomoda e tudo lhe é passível de ser vivido. Sim, até
mesmo a loucura dita e consumada/vivida por alguns é tão, tão compreensível. Nada
é para sempre e tudo é ao mesmo tempo eterno, esse “tudo” que não cabe numa só
razão para expressar-se em meras explicações e apenas nos cabe recolher entre
os olhares, jardins da vida espalhados por aí. E não se preocupe, reconhecerá
sempre, os mesmos, eles vagam sempre como os seus, pois, não vivem pousados
apenas, eles voam. Sim, eles voam!
(Kátia de Souza em Ensaios de um Novo Tempo)
(16-02-2020)